quinta-feira, 28 de agosto de 2014

São Paulo, 28 de agosto de 2014

Fernando, 

Até hoje não sei como encontrei seu livro lá para fins de julho em um trabalho de clipagem para a assessoria onde faço estágio. Até faria sentido se
eu trabalhasse para alguma editora, livraria ou autor (bem que eu gostaria), mas é para um dos meios de transporte público aqui em São Paulo.

Quando li na resenha do G1 que sua avó tinha Alzheimer e você decidiu escrever um livro sobre toda essa vivência, logo quis ir para o lançamento aqui em São Paulo (capital), na Livraria Cultura no dia 31 de julho. Não fui. O motivo entenderá mais para baixo.

Tudo que fala sobre o “alemão” tenho apreço. Afinal, meu avô João (vô Jhones) também “sofreu” da mesma doença. O medo de mais cedo ou mais tarde (espero que nunca) que ele venha “morar” em meu pai e em mim, é presente.

No dia 11 de agosto finalmente comprei o livro, pela internet. Em menos de uma semana já estava em minhas mãos. Como sempre, li a contracapa e as abas primeiro. Logo pensei: se o “alemão” vier a aparecer novamente vou tentar driblá-lo como essa família.

Por ter apenas nove anos, acho que não entendia muito bem o que acontecia com meu avô, que, para mim, de uma hora para outra estava acamado, usando fralda, precisando ser alimentado e higienizado pela minha avó e tia (outros estavam envolvidos, mas elas foram as principais, antes de chamarem uma enfermeira e, depois, ir para um asilo). Meu avô faleceu três anos depois com pneumonia.

Nunca vou me esquecer do dia em que um de seus filhos falou algumas palavras, que magoaram, para ele (não entrarei em detalhes). Sem saber o que falar ou poder sair andando para não ouvir, meu avô começou a chorar. Lembro que um pouco antes ele sabia que eu era sua neta Allyne, raridade. Saí correndo em busca de socorro, naquele momento sei que fui suas pernas e boca.

Também nunca me esqueço do dia em que ele queria, a qualquer custo, uma quantia bem alta de cruzeiros para pagar uma dívida. Meu pai respondia: mas pai não existe mais essa moeda, agora é real, e mesmo assim como vou conseguir essa quantia. Porém, meu avô continuava pedindo: Ricardo, traz logo. Não lembro como esse impasse foi resolvido, mas sei que no outro cômodo eu só conseguia dar risada da situação.

O que era para me fazer lembrar do meu avô – por coincidência minha tia (a mesma que cuidava dele) trouxe de Araguari o salgado e doce que ele sempre trazia para nós (foto que “tu” curtiu no Instagram e eu fiquei “tri” feliz) –, e saber lidar melhor com o Alzheimer, serviu para recordar da minha avó Olívia (mulher do Jhones), que tinha o mesmo jeito de falar que a Dona Nilva: Cazzo!. Além do famoso: Quem, eu? Magina... E ela nem o “alemão” tinha. Era pura safadeza. (rs)

Onde quero chegar mesmo foi no dia em que comecei a ler o livro, 22 de agosto, quando passei a noite no hospital com minha mãe (e é por isso que não fui no dia do lançamento, alguns dias antes minha mãe soube que tinha um tumor do tamanho de uma bola de futebol – “brazuquinha”, como ela chamava – no ovário).

Ela operou no dia 21 e no dia seguinte saiu da UTI, e a noite, enquanto ela descansava (ou tentava), eu lia o livro. Acabou que na madrugada seguinte (dia que ela passou muito mal) cheguei na parte da primeira carta relatada no livro que a vó Nilva nunca leu.

Em um quarto de hospital, com minha mãe como nunca havia visto, aquela carta mexeu muito comigo e lia como se estivesse falando aquilo para ela (desculpe roubar suas palavras).

Quando terminei o livro, dia 26, só pensava que não haveria melhor momento para ler tais palavras. “Tu me fizeste” rir no momento que mais precisava, chorei, mas o entendimento pelo que passo (minha mãe ainda recupera da operação, agora em casa), vale muito mais.

Mãe, “obrigada por permitir que eu retribua tudo o que me deste”.

Fernando, obrigada por nos dar a oportunidade de conhecer, mesmo que pouco, esta vivência de amor, carinho e compaixão.

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