domingo, 6 de dezembro de 2009

Uma vela para Dario

Narração escrita a partir de um parágrafo do texto Uma vela para Dario de Dalton Trevisan.


"Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo."



Dario estava cansado, não queria correr atrás de tudo. Tinha 40 anos e um casamento arranjado que durava vinte sem saber como. Dois filhos, sendo que o primeiro, de vinte anos, não era dele, mal sabia se o segundo, de quinze, era. Mesmo não sendo seus filhos fazia de tudo por eles, pois cuidou dos dois desde a barriga da mãe.

Mas Dario se cansou, não aguentava mais ter dois empregos e cuidar da família. Cansou de deixar seus sonhos para trás e fingir que era feliz com sua vida.

Enquanto sentado, pensou em tudo isso e pensou em começar sua vida do zero, mas também pensou em acabar com ela naquele instante. Sabia onde vendiam veneno, onde encontrava canivete, e morava no décimo quarto andar de um prédio. Desistiu, sabia que não teria coragem para se matar e achou muita covardia. Dario, mesmo querendo jogar tudo para o alto, achava que devia enfrentar seus problemas de frente e não deixá-los como estavam e sumir do mapa.

Levantou e decidiu não ir trabalhar, foi para um parque perto dali, não se importando com sua calça molhada. Lembrou de quando era uma criança e foi ao seu brinquedo favorito, o Chapéu Mexicano. Amava ver como tudo girava rápido e gostava da sensação de estar voando, se sentia livre de tudo e de todos.

Não importava mais quem era, estava se sentindo uma criança novamente, com sonhos e movimentos que se faz quando se é uma.

Ficou lá até escurecer e o parque fechar, quando percebeu que não tinha mais o estômago de criança. Quis levantar, mas não conseguiu, percebeu que se lenvantasse na certa iria cair. Esperou. Quando se sentiu pronto, levantou com a ajuda do controlador do Chapéu Mexicano.

Parou em frente ao seu prédio e não sabia se entrava ou não. No elevador imaginou que toda sua família estaria telefonando para a polícia, pois já havia passado quatro horas do horário que chegaria em casa.

Entrou em seu apartamento, e para sua surpresa estava tudo calmo. Seus filhos na cama dormindo e sua esposa, se é que poderia chamá-la assim, vendo televisão. Decepcionou-se mais ainda e lembrou que já devia esperar isso deles. Eram secos, mesmo com tanto amor e atenção que oferecia à eles, mesmo que para sua mulher fosse um amor fingido, mas o carinho que tinha por ela era sincero.

Foi para cama tentar dormir e pela primeira vez não chamou Laura, não cobriu e nem beijou seus filhos. Se sentiu mal por ser seco igual a eles. Por mais que não recebia de volta o amor que dava, ele não esperava dar para receber.

Levantou, cobriou-os e beijou-os, todo dia fazia isso, mesmo depois de crescidos. Chamou Laura apenas uma vez, diferente de todo aqueles vinte anos.

Foi deitar com a esperança de não acordar. Virava de um lado, virava do outro, olhava para o teto, para a janela um pouco aberta e para as fotos que haviam em sua cômoda. Estava escuro, mas como sempre olhava para elas sabia de cor as posições de cada uma.

Fechava os olhos, em vão, não conseguia dormir. Por causa da televisão alta? Não, nem se importava com ela, simplesmente porque não conseguia.

Sentiu a luz sob seus olhos e descobriu que passou a noite toda acordado.

Era domingo e resolveu ir á missa, como fazia antes de se casar. Na igreja encontrou uma paixão antiga e sentou-se ao lado dela. Perguntou como estava sua vida, por mais que fosse uma cidade pequena não a via fazia tempo. Estava com uma família linda, um marido que a fazia feliz e três filhos excelentes, um de quinze e os gêmeos de cinco.

Assistiu a missa com a atenção que nunca dera. O padre falava sobre família. O quão deve ser unida, felizes, como deve apoiar e amar um ao outro.

Depois que acabou a missa foi para casa almoçar. Perguntou-se se realmente tinha uma família ou apenas conhecidos em casa.

Não conversavam, não sabia se o seu filho mais velho estava pensando em continuar os estudos ou se casar, não sabia se o mais novo já havia descoberto os segredos da adolescência. Chegou a conclusão que se fossem mudos conversariam muito mais.

No dia seguinte não foi trabalhar. Colocou uma roupa qualquer e saiu de casa, foi para o mirante da cidade e passou horas por lá, aproveitando o tempo livre.

Quando voltou para casa, de noite, estava vazia. Não apenas vazia de gente, mas vazia de objetos também, havia o essencial, um sofá, uma televisão, a geladeira, o fogão, uma cama, um armário, sua cômoda e as fotos, faltando apenas uma, a de Laura.


Link para a história na íntegra de Dalton Trevisan: http://www.releituras.com/daltontrevisan_dario.asp

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